“Cuba precisa de sagacidade e desconfiança ao negociar com os EUA”
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“Cuba precisa de sagacidade e desconfiança ao negociar com os EUA”


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Por Arnaldo Risemberg na Rádio Sputnik

Em 17 de dezembro de 2014, os Presidentes dos Estados Unidos e de Cuba, Barack Obama e Raúl Castro, anunciaram simultaneamente em Washington e Havana o reatamento das relações diplomáticas entre os seus países, interrompidas há mais de 50 anos.

Recentemente, delegações dos Estados Unidos e de Cuba se encontraram em Havana para discutir os primeiros passos rumo à normalização do seu relacionamento e debater a melhor oportunidade para a reabertura das respectivas embaixadas em suas capitais.

Sobre este tema, a Rádio Sputnik conversou com o sociólogo panamenho Marco A. Gandásegui Hijo, Professor da Universidade do Panamá, pesquisador associado do CELA (Centro de Estudos Latinoamericanos Justo Arosemena) e diretor da Revista “Tareas”.

Áudio completo da entrevista:



Rádio Sputnik: Professor Marco A. Gandásegui Hijo, como o Sr. recebeu a notícia do reatamento das relações diplomáticas entre Estados Unidos e Cuba?

Marco A. Gandásegui Hijo: Foi uma notícia que surpreendeu a América Latina e criou grandes expectativas em todos os povos da região. O Governo dos Estados Unidos não disse que pretende mudar o seu objetivo estratégico de desestabilizar o Governo cubano. Sem qualquer dúvida, o povo cubano e todos os povos que apoiam a Revolução Cubana estão conscientes de que a nova correlação de forças, produto da luta popular, é um triunfo.

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RS: O que, efetivamente, pretendem os Estados Unidos e seu Presidente Barack Obama, ao se reaproximar de Cuba e dos irmãos Castro, o Presidente Raúl e o líder Fidel?

MGH: Quem desenha a política externa dos Estados Unidos parte de um pressuposto fundamental: é necessário defender os interesses dos grandes capitais que dominam aquele país. Por sua vez, o partido político que está no poder – o Democrata – precisa voltar a consolidar a sua liderança. Depois de 55 anos de uma guerra não declarada por Washington contra Cuba, os Estados Unidos pretendem mudar a sua tática diante da ilha, mas não o seu objetivo estratégico.

RS: O que querem de Cuba os Estados Unidos, e o que Cuba pretende dos Estados Unidos?

MGH: Reitero: os Estados Unidos pretendem implantar um regime capitalista em Cuba. Seu objetivo é subordinar a ilha à lógica do mercado norte-americano. Há mais de 50 anos, Havana exige o fim do bloqueio econômico imposto a Cuba pelos Estados Unidos, a retirada deste país da Baía de Guantánamo, e relações diplomáticas baseadas no respeito mútuo.

RS: Em sua avaliação, como se darão as negociações políticas entre os dois países? Serão negociações fáceis, já que as duas partes parecem estar de acordo com o reatamento de suas relações?

MGH: As negociações entre Cuba e Estados Unidos são assimétricas. Os Estados Unidos são o país mais poderoso do mundo e têm as forças armadas mais sofisticadas de toda a História. Por sua vez, Cuba é uma ilha com problemas econômicos. Apesar desta realidade, as negociações colocam os Estados Unidos em uma posição isolada na escala internacional. O mundo apoia Cuba. Havana conta com a solidariedade internacional e com um povo altamente organizado, capaz de defender a sua soberania e dignidade.

RS: A seu ver, os Estados Unidos pretenderão influenciar os rumos políticos de Cuba?

MGH: Em 1959, o então Presidente dos Estados Unidos, Eisenhower, anunciou a intenção de Washington de pôr fim à Revolução Cubana, utilizando inclusive as forças armadas. Cinco décadas depois, o atual Presidente Obama declarou que a política de confrontação dos Estados Unidos com Cuba fracassou. Em seu discurso de dezembro de 2014, Obama disse que os Estados Unidos manterão a sua mesma política que consiste na mudança do regime político de Cuba. Sem dúvida, o Presidente dos Estados Unidos pretende implantar uma nova política que debilite o governo revolucionário de Cuba, mediante o estabelecimento de relações econômicas e diplomáticas.

RS: Do ponto de vista econômico, o que Estados Unidos e Cuba têm a negociar entre si?

MGH: Os cubanos podem se constituir num mercado para produtos norte-americanos de origem agrícola, farmacêutica e da construção civil. Pela sua proximidade, os Estados Unidos podem suprir Cuba com estes e outros produtos em quantidades e custos mais favoráveis. Os Estados Unidos podem tirar proveito de produtos que os cubanos desenvolveram em áreas como tecnologia médica, turismo e explotação de recursos energéticos. É preciso ver qual será a posição de Cuba diante do interesse dos Estados Unidos de que a sua classe capitalista se volte para a ilha com investimentos especulativos e reduzido controle do crime organizado.

RS: Na segunda-feira, 26 de janeiro, o líder cubano Fidel Castro afirmou que é favorável ao reatamento das relações Cuba-Estados Unidos, porém ressaltou que não confia neste país. Como deve ser interpretada esta declaração do líder cubano?

MGH: Os Estados Unidos têm frisado desde a sua fundação, há quase dois séculos e meio, que a sua política externa se baseia no interesse dos seus investidores. Os Estados Unidos sempre destacaram que não têm amigos, porém somente interesses. É preciso ter muito presente este princípio que orienta a política externa dos Estados Unidos quando se entabulam negociações com este país. É preciso agir com desconfiança diante de um governo que não considera Cuba como um país amigo e, muito menos, um sócio. Cada proposta de Washington deve ser analisada e estudada com cuidado e muita atenção. Um assunto que os cubanos consideram importante se refere ao problema das migrações. Cuba tem uma política aberta. Todo cubano pode emigrar para os Estados Unidos sem problemas ou obstáculos. Os Estados Unidos, no entanto, oferecem a quem sai de Cuba, de forma clandestina e arriscando a própria vida, privilégios especiais. Inclusive, os esportistas não podem ser contratados nos Estados Unidos se não pedirem, antecipadamente, asilo político. Havana quer o fim desta discriminação, e Washington tem-se negado a discutir esta questão.

RS: Pelo que relata a imprensa internacional, o Partido Republicano dos Estados Unidos não vê com bons olhos o reatamento das relações diplomáticas com Cuba. Sabendo-se que o Congresso norte-americano terá de votar a proposta presidencial para o fim do embargo econômico a Cuba, o que os cubanos poderão esperar dos políticos em Washington?

MGH: O Partido Republicano considera Cuba como uma peça de sua política eleitoral nos Estados Unidos, há mais de meio século. Na atualidade, o problema cubano perdeu peso diante do eleitorado norte-americano, especialmente na Flórida, onde reside a maior parte da emigração cubana para os Estados Unidos. O Presidente Barack Obama aposta nesta nova correlação de forças eleitorais para ganhar pontos em sua política interna. Os democratas, de Obama, podem colocar os republicanos em apertos diante das negociações com os cubanos assim que começar a campanha eleitoral presidencial dos Estados Unidos no final de 2015.

RS: O Sr. acredita que as primeiras conversações entre as delegações dos Estados Unidos, liderada pela Subsecretária de Estado Roberta Jacobson, e de Cuba, chefiada por Josefina Vidal, tenham conseguido algum avanço?

MGH: Superficialmente, não se nota avanço algum nas conversações. Sem dúvida, há que considerar quais são os objetivos que Cuba e Estados Unidos privilegiam. Tudo indica que são objetivos diametralmente distintos e que o processo de negociação não será rápido nem fácil. No entanto, isto não implica que se possa alcançar progresso em aspectos muito pontuais. Por exemplo, o restabelecimento das relações diplomáticas com a instalação das duas embaixadas, o fim do terrorismo de Estado por parte dos Estados Unidos, e uma autorização deste governo para que os turistas norte-americanos possam visitar Cuba.

RS: Após reatar com Cuba, qual deverá ser o próximo passo político-diplomático de Barack Obama?

MGH: Obama alardeou a ideia de pôr fim à política da guerra contra as drogas. Seria um passo audacioso e que daria aos Estados Unidos a possibilidade de redefinir as suas relações com México, Colômbia, Venezuela e países da América Central. Opõem-se a esta política (de combate às drogas) os grandes interesses especulativos, com sede em Wall Street, que controlam o negócio do tráfico ilegal de drogas que movimenta 900 bilhões de dólares por ano. Outras áreas que, aparentemente, estão vedadas a Obama são o Oriente Médio (o conflito entre palestinos e israelenses), a crise energética, a Europa Central e o papel da OTAN na Ucrânia. Uma viagem de Barack Obama à China, como a realizada por Richard Nixon há 40 anos, não seria má ideia.

RS: Para concluir, Sr. Marco A. Gandásegui Hijo, o que Cuba representa hoje para os Estados Unidos e o que os Estados Unidos poderão representar para Cuba?

MGH: Cuba é uma peça política muito importante na correlação das forças internas que estão em permanente processo de mudança nos Estados Unidos. Obama deu o passo – mais bem qualificado como um salto audacioso – para salvar politicamente, em parte, o seu legado presidencial. Para Cuba, a mudança na política externa dos Estados Unidos representa um balão de oxigênio. Politicamente, os Estados Unidos oferecem a Cuba uma mesa para sentar e negociar. Substitui a tradicional agressividade política, econômica e, inclusive, militar, que caracteriza a política externa dos Estados Unidos contra Cuba. Também podem permitir a Cuba dinamizar a sua economia, com a entrada de capitais do exterior (não apenas dos Estados Unidos), bloqueados há mais de meio século. Fidel Castro disse com clareza, apesar dos seus 88 anos de idade e de sua doença: Cuba tem de negociar com os Estados Unidos com sagacidade e com uma forte dose de desconfiança.



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