“O maior risco para Cuba é não mudar” diz deputado cubano em visita ao Brasil
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“O maior risco para Cuba é não mudar” diz deputado cubano em visita ao Brasil


Por Joana Rozowykwiat

A 15 dias do início do Congresso do Partido Comunista de Cuba, o jornalista e deputado provincial Ariel Terrero Escalante avalia que as mudanças na política econômica e trabalhista da ilha, que estarão em debate no evento, são arriscadas, mas imprescindíveis. Segundo ele, o maior risco para seu país seria não mudar. “Estamos lutando para buscar maneiras mais inteligentes e eficientes de fazer o socialismo”, defendeu, em entrevista ao Vermelho nesta quarta (30).

O contexto em que o Congresso se realiza não é dos melhores para a ilha. A economia cubana, já tão debilitada pelo bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos, teve sua situação agravada por vários fatores nos últimos anos. Eles vão desde a crise mundial, que reduziu o acesso a crédito internacional, até questões climáticas:16 furacões, entre 1998 e 2008, causaram prejuízos no valor de 20,5 bilhões de dólares, metade do PIB cubano.

Sem controle sobre essas adversidades, Cuba resolveu então investir na resolução de seus problemas domésticos, propondo um reordenamento trabalhista e tributário que possibilite maior eficiência, com diminuição de gastos e aumento da produtividade na ilha.

Na esteira dessas alterações, o governo anunciou que 500 mil trabalhadores deixariam seus empregos estatais e seriam realocados em áreas nas quais pudessem dar maior retorno à sociedade. Logo vieram as especulações sobre o caráter dessas transformações. Seriam uma concessão ao capitalismo? Poderá haver retrocesso nas conquistas sociais da ilha? Ariel Terrero Escalante, que está visitando o Brasil, assegura que não.

Ele garante que o Estado continuará protegendo todos os trabalhadores. “É preciso enfrentar as mudanças da vida, da economia, da sociedade, e fazê-lo com inteligência. (...) Não significa que estamos renunciando ao socialismo, pelo contrário, estamos lutando para sermos cada vez mais socialistas”, disse, ao afirmar que não se faz o socialismo só com teorias, mas baseado em fatos e sem importar modelos.

Nesta entrevista, ele explica o Projeto de Diretrizes da Política Econômica e Social cubana, que reúne as reformas propostas pelo governo. E critica a imprensa internacional, que, segundo ele, dá espaço para matérias irrelevantes sobre Cuba, e omite aquilo que de fato seria importante, de acordo com seus interesses. O cubano também questiona o presidente norte-americano, Barack Obama, que não alterou a política contra a ilha. “Os EUA estão demonstrando sua incapacidade para mudar”, disse.

Ariel escreve para a tradicional revista cubana Bohemia e é comentarista econômico da televisão cubana. Ele veio ao Brasil a convite do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, para participar de encontros sobre os meios de comunicação alternativos. Aproveitou para fazer um intercâmbio com jornalistas brasileiros e conversar com organizações solidárias a Cuba, para expor o que acorre na ilha. Leia abaixo a entrevista:

Portal Vermelho: A menos de 20 dias do Congresso do Partido Comunista cubano, como está a preparação e a expectativa para o evento?

Ariel Terrero Escalante: A expectativa é enorme. Todo Congresso, em geral, cria uma expectativa, mas, nessa ocasião, Cuba vai discutir exclusivamente aspectos da economia. E, antes do Congresso, aconteceu em Cuba uma ampla discussão de base - com toda a população, nos centros de trabalho, em todos os níveis do partido, nas comunidades - de um projeto com as diretrizes da política econômica de Cuba.

Essas diretrizes propõem novas regras para a política e a economia cubanas. Algumas mudanças já começaram a ser postas em andamento pelo governo, para aperfeiçoar a economia em várias áreas, como na agricultura. Outras abarcam partes da economia, desde os setores principais, até temas como a política financeira, a política de preços, a política para os trabalhadores, enfim, muitos temas, de muito interesse do povo.

E o processo de debates abriu a possibilidade de a população cubana fazer sugestões, propor mudanças, alterar essas diretrizes. E, em todo o mês de março, as comissões do partido se dedicaram a estudar todas as propostas do povo de Cuba, todas as modificações do projeto, para fazê-lo mais próximo das necessidades da economia e das necessidades dos cubanos.

Portal Vermelho: Como irá funcionar esse reordenamento trabalhista e tributário que o governo pretende implementar a partir do Congresso? O senhor pode explicar os principais pontos?

Ariel Terrero Escalante : É uma proposta de mudanças na política trabalhista. Está se buscando que os trabalhadores possam ter uma renda melhor. Hoje em dia, a economia cubana tem uma série de problemas. Alguns têm a ver com fatores externos, como a crise financeira mundial, que limitou mais ainda o acesso de Cuba - um país que já é bloqueado pelos Estados Unidos - a créditos externos.

Mas também há problemas internos, de pouca produtividade do trabalho. E a superação dessa dificuldade, para que a produtividade cresça, tem exigido uma mudança na estratégia de empregos dentro das empresas. Estamos buscando não somente que se garanta um trabalho a cada cubano, mas que se garanta um trabalho em que o trabalhador realmente possa dar um aporte importante à sociedade.

Um problema que os próprios cubanos temos criticado com muita força é que o Estado tem sido muito paternalista. Tem protegido de maneira quase cega, às vezes, todos os trabalhadores e cubanos. Mas a estratégia que está sendo buscada, e que muitos economistas cubanos defendem, é que o Estado proteja - não vai deixar desamparado nenhum cubano-, que a economia continue sendo socialista, continue sendo uma economia planificada, mas que essa proteção tenha a contrapartida de benefícios e contribuições à sociedade.

É deste ponto de vista que vai haver um reordenamento laboral e, em algumas empresas, que têm excesso de funcionários, esse pessoal vai ser reduzido para atender à necessidade real dessa empresa ou desse setor. E se dará a essas pessoas oportunidades em muitas outras áreas da economia cubana que têm déficit de pessoal. Então serão realizados cursos de capacitação para conseguir fazer uma realocação desses trabalhadores nessas outras áreas.

E também se expande a possibilidade de trabalho por conta própria, para que as pessoas, se não quiserem trabalhar numa empresa, possam trabalhar em um negócio pessoal, particular. O Congresso, além disso, deve discutir a possibilidade de abrir outras formas de emprego não estatal, como as cooperativas.

E, acompanhando isso, está a política tributária que, em Cuba, praticamente não existia até a década de 90, quando se aprovou uma lei tributária. Mas ela ficou estancada em uma série de passos iniciais e, agora, todas essas transformações na economia virão acompanhadas de uma mudança tributária mais racional, mais de acordo com as características da atividade da economia hoje.

Vermelho: Não há risco de desemprego?

Ariel: Não. Há um primeiro passo, que é realocar esses 500 mil trabalhadores em outras atividades. Porque estamos falando de meio milhão de trabalhadores. Você pode imaginar o que significa, para uma economia, ter 500 mil trabalhadores ocupados em áreas onde, realmente, não são úteis? Onde não contribuem à sociedade, onde estão lhes pagando salários que não têm como contrapartida um aporte do ponto de vista de serviços ou de produção para a soceidade? Isso é o que provoca que a maior parte dos salários não cresça no ritmo e na dimensão que necessitam os trabalhadores em Cuba.

É imprescindível passar por um reordenamento laboral. Não se trata de despedir trabalhadores. Isso seria muito fácil, mas seria o mesmo que faz o capitalismo, sem muito êxito, porque nada melhora quando uma empresa começa a crescer, se toda a sociedade tem alto volume de desemprego e miséria. E isso não é o que pretende a sociedade cubana, o partido, a revolução.

Esse é o desafio que temos: ver como implementar essa mudança, da qual os sindicatos devem participar de forma direta, no estudo das necessidades de trabalho das empresas, de cada escola, hospital, de todas as partes, sempre buscando eficiência, para que a empresa socialista não seja apenas bonita, nem tenha garantia de emprego para todos os trabalhadores, mas que haja uma garantia de emprego que se reflita em crescimento na economia, e portanto, em um crescimento dos benefícios que recebem hoje os cubanos.

Vermelho: Podemos falar de uma desestatização da economia?

Ariel: Não, não creio. A economia cubana hoje tem características que implicam mudanças, mas os meios principais de produção, as empresas e os setores mais importantes vão seguir nas mãos do Estado socialista. O que vão se abrir são oportunidades para que os cubanos possam participar de uma outra forma de emprego, de uma outra forma de organização empresarial, que pode ser o trabalho individual, o trabalho em cooperativa e, inclusive, em algum momento se poderia pensar também na possibilidade da pequena e média empresa privada.

São maneiras de diversificar a economia, ampliar as alternativas da economia, para resistir e se desenvolver. Os setores principais - mineração, indústria, portos, transportes, eletricidade, etc - vão seguir administrados por empresas estatais. Porque não existiriam muitas possibilidades a não ser dar de presente a economia, o país, e não é essa a intenção de Cuba, ainda que vá haver espaço para o investimento estrangeiro. Já há e ele deve ampliar-se, mas sempre em formato de empresa mista, de propriedade estatal cubana com participação de alguma empresa que possa aportar benefícios para Cuba, em determinado setor, o turismo por exemplo.

Vermelho: Essas mudanças não podem comprometer o caráter socialista do governo cubano?

Ariel: O temor dos comunistas cubanos é ficarmos sem fazer o socialismo. A revolução cubana vai seguir sendo socialista. Estamos lutando para buscar as maneiras mais inteligentes e eficientes de fazer o socialismo. O desafio não é fazer teorias de como deve ser o socialismo, mas fazer o socialismo. E é isso que nós, cubanos, queremos fazer, sermos cada vez mais socialistas.

Vermelho: Mas não há o temor, por exemplo, de que essas mudanças propiciem o surgimento de uma elite?

Ariel: Não diria temor. Os cubanos sabemos que estamos correndo muitos riscos. Mas o maior risco é não mudar. Há uma definição de Fidel, que continua sendo o líder histórico da revolução, que diz: "mudar tudo o que deve ser mudado”. Ou seja, Fidel está dizendo que não podemos ficar de braços cruzados, é preciso enfrentar as mudanças da vida, da economia, da sociedade, e fazê-lo com inteligência. Tanto que, se enfrentamos uma mudança agora e, mais adiante, outras, não significará que estamos renunciando ao socialismo. Pelo contrário - insisto -, estamos lutando para ser cada vez mais socialistas.

Fidel também recordou há alguns meses, resgatando um outro discurso, que o pior erro era crer que sabíamos como é o socialismo. Há tantas teorias sobre o que é o socialismo, que ficaríamos loucos se resolvêssemos seguir um caminho ou outro. Mas se pode ter certeza de que vamos estar (baseados) nos fatos e não somente na teoria. E assim vamos transformar a sociedade, fazendo-a cada vez melhor.

Vermelho: Como resolver a questão do abastecimento de alimentos em Cuba?

Ariel: O governo definiu a produção de alimentos como um assunto de segurança nacional e muitas mudanças estão sendo promovidas para ganhar mais autonomia do ponto de vista do abastecimento de alimentos.

Hoje se importa uma quantidade de alimentos enorme. Alguns deles temos mesmo que importar, mas outros poderíamos produzir em Cuba. Algumas produções diminuíram porque a agricultura não havia mudado. Tinha assumido um esquema que, em algum momento, deu resultado, mas, depois, perdeu efetividade. E agora se está mudando isso.

Terras estão sendo entregues em usufruto, e estão se criando possibilidades para que a agricultura absorva essas pessoas que estão em outro lugar, mas são mais necessárias para a sociedade na produção de alimentos.

Esse é um tema pelo qual se estão fazendo múltiplos esforços, muitas mudanças, que incluem uma política de preços. Há poucos dias, o governo anunciou a abertura de microcréditos para os produtores agrícolas, um passo importante.

Vermelho: Ainda são esperadas mudanças significativas na relação dos EUA com ilha na gestão de Barack Obama? E há algum avanço com a União Europeia?

Ariel: Há 50 anos os cubanos estão bloqueados econômica, comercial e financeiramente pelos Estados Unidos. E existem gerações, mais da metade dos cubanos, que nasceram sob o bloqueio. Esta pessoa que tens diante de ti nasceu sob o bloqueio e muitos de nós não conhecemos outra realidade que não seja a de um país bloqueado.

Os cubanos queremos ter boas relações com os Estados Unidos, mas cabe a eles dar os passos para eliminar o bloqueio. São os Estados Unidos que bloqueiam Cuba, não o contrário. Cuba nunca fez nada contra os Estados Unidos. Eles é que agrediram Cuba militarmente, assaltaram Cuba e seguem bloqueando Cuba.

Portanto, se Obama quer mudar as relações com Cuba, bem-vindo. Se é incapaz de fazê-lo, é uma pena, porque vai estar demonstrando que, como político, não tem a capacidade para convencer, para fazer algo diferente, como tantos outros políticos, que ficam no discurso pré-eleitoral e, quando tomam o poder, são incapazes de mudar qualquer coisa.

Isso está sendo demonstrado não somente com relação a Cuba. Os EUA estão demonstrando sua incapacidade para mudar com relação à Líbia. O prêmio Nobel da Paz se converteu em mais um agressor dentro da história dos Estados Unidos. Não creio que os cubanos - se colocamos os pés no chão - tenhamos muitas possibilidades de pensar e esperar algo diferente de Obama. O que a vida está dizendo é que não podemos esperar algo diferente. A atuação do governo norte-americano, de Obama, de Hillary Clinton mostra que não podemos esperar nada diferente.

E a União Europeia faz o que os Estados Unidos mandam. Há sinais de que a EU pode melhorar as relações com Cuba, alguns passos, mas, de toda forma, o europeu não tem o mesmo compromisso que os Estados Unidos têm contra Cuba.

Pelo contrário, temos uma relação econômica e comercial favorável, com empresas mistas em Cuba. Temos vários sócios estrangeiros na Europa e acho que isso vai melhorar. Há passos mais recentes, do ponto de vista diplomático, de uma aproximação, econômica inclusive, mas digo o mesmo: não fomos nós que agredimos o europeu, foram os europeus que se somaram aos norte-americanos e puseram barreiras contra Cuba.

Vermelho: Como Cuba tem trabalhado a questão da renovação política na ilha? É um assunto em pauta no Congresso?

Ariel: Este congresso, que acontece de 16 a 19 de abril, vai se centrar exclusivamente em aspectos da política econômica. Mas já está anunciado que, este ano, mais adiante, vai ocorrer também uma conferência do partido, que vai se centrar em aspectos de ordem política e ideológica.

E aí se inclui esse aspecto de que você fala. Mas essa renovação já está ocorrendo. A renovação política não é só o (cargo de) primeiro-secretário do partido. Existem muitas escalas, é todo o Comitê Central, o Birô Político, são os secretários do partido nas províncias. E, quando se observa quem integra hoje a direção do partido em todos os níveis, pode-se dizer que há uma grande participação de comunistas cubanos de gerações mais jovens. Seguem em pé alguns membros da direção histórica, mas diminuem progressivamente, e gente muito mais jovem vai ocupando espaços na direção do partido.

Vermelho: A imprensa internacional não tem sido muito imparcial em relação a Cuba...

Ariel: A imprensa internacional distorce muito a realidade de Cuba. Isso não ocorre só com Cuba, se passa com a informação no mundo, como podem ver os brasileiros, os panamenhos, os argentinos, chilenos, asiáticos, etc. Em toda parte ocorre.

A imprensa, muitas vezes, oculta determinados aspectos da realidade e superdimensiona outros. Com relação a Cuba, isso se passa com muita ênfase, porque a grande imprensa norte-americana, muitas vezes, tem influência enorme sobre o resto da imprensa no mundo.

Um fato irrelevante, como a recente visita de Carter - que é boa, mas é um passo similar aos que já ocorreram em outras oportunidades e que não conseguiram melhorar as relações – tem repercussão exagerada. Mas outros fatos da realidade cubana mal são divulgados, como, por exemplo, o debate das diretrizes econômicas prévio ao Congresso, que estaria demonstrando claramente que, em Cuba, existe uma democracia, real, participativa, em que os trabalhadores podem opinar sobre quais vão ser as linhas da política econômica em Cuba. À grande imprensa norte-americana convêm mostra isso? Não creio.

Vermelho: Este ano também se completam 50 anos da vitória na Batalha da Praia Girón. Qual o significado dessa data redonda?

Ariel: Esses 50 anos significam que os cubanos têm muita capacidade de resistência. São 50 anos em que os Estados Unidos não puderam fazer mais que se condenarem por não terem conseguido derrotar os cubanos em Praia Girón e buscarem pretextos para pintar Cuba como o diabo.

Os cubanos seguimos independentes, soberanos e nos desenvolvendo, o que é mais importante. Temos problemas econômicos, mas é um país que se desenvolveu enormemente, que conquistou enormes resultados na saúde, na educação. Um país que eliminou o analfabetismo e que tem grande parte da sociedade cubana com nível universitário. É isso que significa ter vencido em Girón.

Se os EUA tivessem nos derrotado, não teríamos conquistado tudo isso. É, portanto, uma satisfação enorme não somente haver vencido os EUA militarmente, mas tudo que pudemos fazer graças a essa vitória.

Vermelho: Que desafios estão postos para o futuro?

Ariel: O desafio maior vai continuar sendo sempre resistir à agressividade dos Estados Unidos, para ser independente e soberano. E o segundo desafio é conseguir que a sociedade cubana seja cada vez mais eficiente, sem renunciar ao socialismo, porque o socialismo é mais eficiente que o capitalismo, portanto não vamos retroceder. Temos muitos problemas econômicos, mas não temos os níveis de pobreza que há em outros países da América Latina, não temos miséria, pobreza, abandono, gente vivendo nas ruas.




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