Cuba
“O médico que se forma em Cuba possui compromisso social”
Pr Kelly Ramos na Folha de Irati
Delfinus Nunes de Almeida, filho de produtores rurais de Teixeira Soares, saiu do Brasil para conseguir estudar Medicina
O sonho de se tornar médico no Brasil é algo cada vez mais difícil de tornar realidade. Os vestibulares muito concorridos acabam deixando de fora um grande contingente de estudantes, principalmente aqueles que integram o sistema público de educação. Delfinus Nunes de Almeida, mesmo sendo de família simples, de produtores rurais de Teixeira Soares, conquistou o seu diploma. Porém, bem longe do seu país. Ele é formado pela Escola Latinoamericana de Medicina (ELAM), em Cuba.
Nunes, como prefere ser chamado, foi para Cuba em 2000 e permaneceu lá até 2007. Ele faz parte da segunda turma de médicos formados pela ELAM, que foi fundada por Fidel Castro no final da década de 90, depois que o furacão Mitch atingiu a América Central e o Caribe. O objetivo de criar a ELAM foi formar médicos para trabalhar em países chamados subdesenvolvidos, seguindo o sonho do revolucionário Ernesto Che Guevara.
Segundo Nunes, para entrar nessa escola de Medicina em Cuba era necessário ser integrante de um partido político de esquerda ou participar de algum movimento social. O seu pai é um dos fundadores do Movimento Sem Terra (MST) - assentado há anos na área rural de Teixeira Soares. Ele conta que desde muito novo era militante do MST, o que acabou lhe dando a oportunidade de se tornar médico.
Nunes está no Brasil há cinco anos e trabalha no município de Sulina, na região central do Paraná. A sua opção pelo município é devido o grande número de assentados que existe próximo. “Além do atendimento em Sulina, através da Prefeitura, do outro lado do rio, faço um trabalho de formação e educação em saúde nas escolas e centros do movimento”, conta ele.
O médico explica que a revalidação do seu diploma aconteceu através da justiça. Como não passou na prova, que segundo ele “nem as pessoas que elaboram conseguem resolver”, entrou com um processo contra a universidade que a elaborou. “Apresentei todos os meus documentos de Cuba. Para revalidar tive que fazer algumas matérias a mais em Santa Catarina e usei parte da minha carga horária de Fortaleza, onde fiquei três anos trabalhando em periferias”, conta. “Quando chegamos de volta ao país buscamos adaptar os conhecimentos para a realidade brasileira. O médico quando se forma em Cuba sai com compromisso de fazer um trabalho social”, completa.
Nunes afirma que se não tivesse ido para outro país, não conseguiria estudar Medicina no Brasil. “Se a educação é direito de todos, não deveria existir vestibular. Há poucas vagas e é muito disputado. Quem entra não são aqueles que estudaram em escolas públicas ou são filhos de trabalhadores simples. A classe médica é elitizada por isso”, critica. Ele ainda fala que em Cuba as pessoas podem estudar o que quiserem, porque a educação é um direito garantido.
FORMAÇÃO
Nunes fala que a formação em Medicina em Cuba é considerada uma das melhores da América Latina e não devido à tecnologia aplicada nos atendimentos. “Além disso, há muito conhecimento e pesquisas. A tecnologia se vende e o objetivo não é esse e sim formar profissionais para atender o povo de forma adequada”, comenta.
Ele explica que os pilares fundamentais são a voltados a atenção primária, onde o estudante que passa para o terceiro ano já tem aulas dentro de hospitais universitários, onde os médicos são os professores. O curso dura seis anos e há o período de adaptação, devido à língua: “A Medicina de Cuba é considerada boa porque resolve 80% dos problemas dos pacientes na saúde primária e secundária. A seleção dos médicos acontece nos bairros para onde, depois de formados, voltam para atender”.
O médico explica que em Cuba qualquer pessoa que queira ser médico será. Mas, isso dependerá apenas de seu esforço em estudar. “Lá é uma profissão comum. O que ganha um professor, ganha um médico. É diferente do Brasil, é tudo público. A pessoa está lá pela sua profissão e não pela parte financeira”, acrescenta.
Nunes comenta que nunca passou pela sua cabeça abrir um consultório e cobrar consultas particulares, pois entende que a saúde é um direito do cidadão e que o Estado tem obrigação de pagar. “Se o paciente chega com uma dor abdominal, o médico não examina direito e já pede um ultrassom. Isso estimula o uso de equipamentos e exames laboratoriais. Os recursos do SUS (Sistema Único de Saúde), que deveriam ser empregados para o povo, acabam vazando para clínicas particulares. O médico brasileiro está perdendo a essência da Medicina, que é com o estetoscópio resolver 80% dos problemas”, critica.
MAIS MÉDICOS
No Brasil, o programa do Governo Federal ‘Mais Médicos’, que tem como principal objetivo levar profissionais para regiões onde há escassez e ausência de atendimentos, vem causando grande polêmica. As críticas das entidades médicas são geradas devido à permissão de profissionais formados no exterior atuarem no país sem a necessidade de fazer o exame de revalidação do diploma, o Revalida.
Nunes afirma que é favorável a medida do Governo Federal. “O Ministério da Saúde deveria ser mais firme e o Conselho Federal de Medicina cumprir mais o seu papel, que é fiscalizar, por exemplo, os profissionais que maltratam o povo ou que batem cartão e vão atender em seus consultórios particulares”, enfatiza.
O médico formado em Cuba acredita que o medo da classe médica brasileira não é perder os seus postos de trabalho para os profissionais estrangeiros, mas sim o status que a profissão oferece. “Eu trabalhei no Piauí, a 700 quilômetros da capital, onde médico é considerado um ‘quase Deus’ e isso é um absurdo. A única diferença é que o profissional tem um pouco mais de conhecimento do que aquelas pessoas que está atendendo e não tiveram a mesma oportunidade que ele”, ressalta.
Nunes fala que a vinda de 4 a 5 mil médicos cubanos ao Brasil fará grande diferença nas regiões que mais carecem de atendimento: “Eles vão deixar a sua marca e o povo não vai querer que vão embora”.
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