Cuba
Beth Carvalho: “A CIA quer acabar com a cultura brasileira.”
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Beth Carvalho: “Só acredito no modelo socialista, é o único que pode salvar a humanidade.” |
Publicado no iG, mas lido no Vermelho
Em entrevista ao jornalista Valmir Moratelli, do iG por ocasião do lançamento do CD de músicas inéditas “Nosso samba tá na rua” – dedicado a dona Ivone Lara, com canções sobre a negritude, o amor e o feminismo –, a cantora Beth Carvalho é mordaz: “A CIA quer acabar com o samba. É uma luta contra a cultura brasileira. Os Estados Unidos querem dominar o mundo através da cultura”, diz a cantora, presidente de honra do PDT.
iG: Em seu novo CD, a letra “Chega” é visivelmente feminista. Por que é raro o samba dar voz a mulheres?
Beth Carvalho: O mundo, não só o samba, é machista. Melhorou bastante devido à luta das mulheres, mas a cada cinco minutos uma mulher apanha no Brasil. É um absurdo. Parece que está tudo bem, mas não é bem assim. Sempre fui ligada a movimentos libertários.
iG: De que forma o samba é machista?
B.C.: A maioria dos sambistas é homem. Depois de mim, Clara Nunes e Alcione, as coisas melhoraram. O samba é machista, mas o papel da mulher é forte. O samba é matriarcal, à medida que dona Vicentina, dona Neuma, dona Zica comandam os bastidores da história. Eu, por exemplo, sou madrinha de muitos homens [risos].
iG: A senhora é vizinha da favela da Rocinha. Como vê o processo de pacificação?
B.C.: Faltou, por muitos anos, a força do estado nestas comunidades. Agora estão fazendo isso de maneira brutal e, de certa forma, necessária. Mas se não tiver o lado social junto, dando a posse de terreno para quem mora lá há tanto tempo, as pessoas vão continuar inseguras. E os morros virarão uma especulação imobiliária.
iG: Alguns culpam o governo Leonel Brizola [1983–1987/1991–1994] pelo fortalecimento do tráfico nos morros. A senhora, que era amiga do ex-governador, concorda?
B.C.: Isso é muito injusto. É absurdo [diz em tom áspero]. Se tivessem respeitado os Cieps, a atual geração não seria de viciados em crack, mas de pessoas bem informadas. Brizola discutia por que não metem o pé na porta nos condomínios da Avenida Viera Souto [em Ipanema] como metem nos barracos. Ele não podia fazer milagre.
iG: Defende a permanência de Carlos Lupi no Ministério do Trabalho?
B.C.: Olha, sou presidente de honra do PDT porque é um título carinhoso que Brizola me deu, mas não sou filiada ao PDT. Não tenho uma opinião formada sobre isso, porque não sei detalhes. Existe uma grande rigidez a partidos de esquerda. Fizeram isso com o PCdoB do Orlando Silva, e agora fazem com o PDT. O que conheço do Lupi é uma pessoa muito correta. Eles deveriam ser menos perseguidos pela mídia.
iG: Aqui na sua casa há várias imagens de Che Guevara e de Fidel Castro. Acredita no modelo socialista?
B.C.: Eu só acredito no modelo socialista, é o único que pode salvar a humanidade. Não tem outro [fala de forma enfática]. Cuba diz ‘me deixem em paz’. Os Estados Unidos, com o bloqueio econômico, fazem sacanagem com um país pobre que só tem cana-de-açúcar e tabaco.
iG: Mas e a falta de liberdade de expressão em Cuba?
B.C.: Eu não me sinto com liberdade de expressão no Brasil.
iG: Por quê?
B.C.: Porque existe uma ditadura civil no Brasil. Você não pode falar mal de muita coisa.
iG: Como quais?
B.C.: Não falo. Tem uma mídia aí que acaba com você. Existe uma censura. Não tem quase nenhum programa de TV ao vivo que nos permita ir lá falar o que pensamos. São todos gravados. Você não sabe se vai sair o que você falou, tudo tem edição. A censura está no ar.
iG: Mas em países como Cuba a censura é institucionalizada, não?
B.C.: Não existe isso que você está falando, para começo de conversa. Cuba não precisa ter mais que um partido. É um partido contra todo o imperialismo dos Estados Unidos. Aqui a gente está acostumada a ter vários partidos e acha que isso é democracia.
iG: Este não seria um pensamento ultrapassado?
B.C.: Meu Deus do céu! Estados Unidos têm ódio mortal da derrota para oito homens, incluindo Fidel e Che, que expulsaram os norte-americanos usando apenas o idealismo cubano. Os norte-americanos dormem e acordam pensando o dia inteiro em como acabar com Cuba. É muito difícil ter outro Fidel, outro Brizola, outro Lula. A cada 100 anos você tem um Pixinguinha, um Cartola, um Vinicius de Moraes... A mesma coisa na liderança política. Não é questão de ditadura, é dificuldade de encontrar outro melhor para ocupar o cargo. É difícil encontrar outro Hugo Chavez.
iG: Chavez é acusado por muitos de ter acabado com a democracia na Venezuela.
B.C.: Acabou com o quê? Com o quê? [indaga com voz alta]
iG: Com a democracia...
B.C.: Chavez é um grande líder, é uma maravilha aquele homem. Ele acabou com a exploração dos Estados Unidos. Onde tem petróleo estão os Estados Unidos. Chavez acabou com o analfabetismo na Venezuela, que é o foco dos Estados Unidos porque surgiu um líder eleito pelo povo. Houve uma tentativa de golpe dos norte-americanos apoiado por uma rede de TV.
iG: A emissora que fazia oposição ao governo e que foi tirada do ar por Chavez...
B.C.: Não tirou do ar [fala em tom áspero]. Não deu mais a concessão. É diferente. Aqui no Brasil o governo pode fazer a mesma coisa, televisão aberta é concessão pública. Por que vou dar concessão a quem deu um golpe sujo em mim? Tem todo direito de não dar.
iG: A senhora defende que o governo brasileiro deveria cassar TV que faz oposição?
B.C.: Acho que se estiver devendo, deve cassar sim. Tem de ser o bonzinho eternamente? Isso não é liberdade de expressão, é falta de respeito com o presidente da República. Quem cassava direitos era a ditadura militar, é de direito não dar concessão. Isso eu apoio.
iG: Por ser oriundo dos morros, o samba foi conivente com o poder paralelo dos traficantes?
B.C.: Não, o samba teve prejuízo enorme. Hoje dificilmente se consegue senhoras para a ala das baianas nas escolas de samba. Elas estão nas igrejas evangélicas, proibidas de sambar. Não se vê mais garoto com tamborim na mão, vê com fuzil. O samba perdeu espaço para o funk.
iG: Quem é o culpado?
B.C.: Isso tem tudo a ver com a CIA [Agência Central de Inteligência dos EUA], que quer acabar com o samba. É uma luta contra a cultura brasileira. Os Estados Unidos querem dominar o mundo através da cultura. Estas armas dos morros vêm de onde? Vem tudo de fora. Os Estados Unidos colocam armas aqui dentro para acabar com a cultura dos morros, nos fazendo achar que é paranoia da esquerda. Mas não é, não.
iG: O samba vai resistir a esta “guerra” que a senhora diz existir?
B.C.: Samba é resistência. Meu disco é uma resistência, não deixa de ser uma passeata: “Nosso samba tá na rua”.
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