Cuba
Cuba: mitos e verdades
Por Otávio Dutra
Com uma simples mirada ao redor percebo, recordando minha querida pátria, que faltam alguns detalhes da vida cotidiana há anos não mais existentes aqui em Cuba. Nas ruas as crianças surgem após às 16h, quando acaba o turno escolar de período integral. Não há nenhuma pedindo moedas no semáforo ou engraxando os sapatos de algum engravatado. Não vejo crianças com os pés no chão e o pote de cola na mão, ou pior, brincando com os fuzis, tão comuns nas favelas impregnadas pelo tráfico de drogas. Cuba permite que as crianças vivam a infância, assim como deve ser, desenvolvendo todo seu potencial criador e desportivo: elas praticam tudo que é tipo de esportes, declamam lindas poesias, cantam, dançam e tocam tradicional salsa, sempre com um sorriso sincero e alegre.
Não vejo os idosos abandonados em asilos ou nas ruas. No nosso país aqueles que têm um pouco mais de “sorte” trabalham até seus últimos dias. Os anciãos aqui, aposentados aos 60 anos (homens) e aos 55 (mulheres), ocupam as tranqüilas praças, jogando dominó ou xadrez, tratados dignamente como alguém que por toda vida ajudou a edificar a pátria cubana, agora aproveitando o merecido descanso. Grande parte continua estudando, principalmente nas universidades, espalhas por todo país. Aliás, é difícil encontrar um cubano que não tenho ao menos nível médio completo. O acesso à educação é universal, da primeira infância à universidade. Tornar-se médico, engenheiro ou educador é apenas uma questão de dedicação e disciplina. Não existe o funil do vestibular, todos os cubanos têm a oportunidade de desenvolver-se plenamente: não existe educação paga, em todos os níveis é pública e gratuita, e o acesso universal. Não é por mero acaso que, apesar de todo bloqueio econômico dos EUA, Cuba é um dos países mais cultos do mundo e grande produtor de ciência e tecnologia, referência internacional na área médica e agropecuária.
Em se tratando de saúde o primeiro que me pergunto é: como que em um país com tanta carência de recursos materiais, os índices de mortalidade infantil e expectativa de vida são equivalentes aos dos países mais desenvolvidos? Como em um país pobre como Cuba o povo não paga nenhum centavo para receber atenção integral em saúde? Imagine-se chegando num hospital sem filas, com equipamentos de alta tecnologia e com as principais especialidades da medicina, em qualquer cidade. Este é o país com o maior numero de médicos por habitantes de todo mundo e um eficiente sistema descentralizado dos serviços de saúde: a realidade de Cuba é muito diferente do esquecimento que vive nosso povo, das enormes filas do SUS, das inúmeras mortes por doenças que há muito já se sabem curar, da saúde como mercadoria que se compra e vende. O conceito de saúde em Cuba é o de não adoecer. Assim além de uma profunda educação em saúde, existe de um amplo programa de prevenção. A função dos profissionais da saúde é não deixar que o povo se enferme, muito mais eficiente do que apenas curar doenças.
Vamos um pouco além. Aqueles latifúndios de milhares de hectares e de um só dono, tampouco aqui existem. Cultiva-se um número variado de alimentos, com prioridade para a nutrição de todos. O que sobra, ai sim, pode ser exportado. Resultado: nenhum cubano passa fome, nenhuma criança desnutrida. O problema da terra foi resolvido há 51 anos, quando os latifúndios foram distribuídos ao povo que na terra trabalha, aumentando a produtividade e afastando definitivamente o desemprego e a miséria. Desde então, em Cuba só não trabalha quem não quer, não existe desemprego! Comparando um pouco com o nosso país, lembro com tristeza que os poderosos dão mais importância para os bois da Europa (alimentados com soja brasileira) e ao etanol dos yanquis que aos milhões que morrem famintos, de norte a sul do Brasil.
Outra questão que me causa estranhamento é a tranqüilidade das ruas. Talvez caminhar despreocupado pela cidade, até mesmo em uma metrópole como Havana, me deixe mal acostumado com a violência crescente em nosso país. A insegurança que vive o povo brasileiro e a violência das grandes cidades tem como causa principal o sistema político e econômico que vivemos, em que poucos são os que acumulam a riqueza produzida por uma maioria que vive em condições desumanas: de super-exploração do trabalho e desemprego, de saúde e educação degradadas e excludentes, de terrível qualidade de habitação e saneamento básico, de mínima participação política. Se não fossem essas as principais razões da violência, por que será que em Cuba ela é quase inexistente? Talvez porque aqui todos têm as mesmas oportunidades, desde que nascem. Talvez seja assim porque os cubanos participam ativamente das decisões políticas desde os problemas do seu bairro aos rumos da nação. Ao contrário do que adoram afirmar os poderosos do nosso país, os cubanos elegem todos seus representantes, que não ganham nenhum centavo a mais por ocupar um cargo público e podem ser retirados da função a qualquer momento pela mesma população que os elegeu. Aliás, não existem as milionárias campanhas em que o dinheiro e a propaganda prevalecem sobre a capacidade do cidadão de governar. Raúl Castro, o atual presidente desta Ilha Socialista, teve as mesmas condições que qualquer candidato, mas o povo, em voto secreto, elegeu seu presidente com 98% dos votos. No Brasil, conhecemos bem os resultados do nosso sistema político - corrupção, privilégios e esquecimento do povo! Resta fazer as seguintes perguntas: por que nos dizem tantas mentiras sobre Cuba e Fidel? Por que dizem que o país mais democrático que já conheci é uma ditadura? Talvez a resposta seja simples: não querem que nosso povo perceba que é possível construir uma sociedade muito mais justa e igualitária. Está na hora do povo brasileiro tomar a historia pelas mãos e construir uma pátria sem os usurpadores, um Brasil sem os latifúndios e os monopólios que nos exploram, um Brasil que distribua sua riqueza para seu povo, assim como os cubanos fizeram há quase 50 anos em sua revolução.
Por fim, não poderia terminar sem dizer o que faço aqui. Cuba, mesmo sendo um país bloqueado economicamente e pobre materialmente, divide o que tem. Divide entre seu próprio povo e, para além disso, com todos os povos que necessitam. Hoje são mais de 50 mil estudantes estrangeiros em Cuba, de toda América Latina, Ásia e África. Hoje, assim como eu, estudam medicina cerca de mil estudantes brasileiros, comprometidos a trabalhar com o povo que não tem acesso à saúde: nas favelas, nas periferias, no campo, nas aldeias indígenas, ou em qualquer lugar que precise. Aprendemos aqui a dar mais valor à vida, a lutar contra as desigualdades e indignar-se com as injustiças em qualquer parte do mundo. Recebemos do povo cubano o pouco que eles têm, querendo em troca apenas que salvemos as vidas sem cobrar um preço por isso. Em Cuba revigorei minha esperança de que é possível construir uma sociedade diferente e justa, que é possível acabar com a exploração de um homem por outro. Eles chamam isso de socialismo e eu me pergunto: por que não?
Otávio Dutra é estudante da Escola Latino-Americana de Medicina em Havana - Cuba, natural de Florianópolis.
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