São sete horas em Remédios, cidadezinha histórica do interior de Cuba, numa manhã excepcionalmente chuvosa no final de verão caribenho, que costuma ostentar temperaturas acima de 32 graus. No hospital municipal, a Dra. Egley Turiño Camacho e o Dr. Camilo Ildez Gallo estão prontos para iniciar mais uma jornada de trabalho. As pessoas começam a chegar sem pressa, porque sabem que serão atendidas. A maioria delas realiza apenas procedimentos de rotina, já que o acompanhamento é feito no dia a dia, através do programa Médico da Família, que se estende por todas as partes de Cuba, das áreas rurais remotas à capital, Havana.
Saúde pública, em Cuba, é literalmente, uma questão de Estado. O serviço é totalmente gratuito em todos os seus níveis, da atenção básica à alta complexidade e a filosofia que impera é cuidar da saúde, em vez de tratar a doença. Todos os médicos tem formação generalista, com uma visão humanista da profissão.
A formação dos profissionais de medicina, cubanos ou estrangeiros, é gratuita, a despeito de todas as dificuldades econômicas do país, é a qualificação é uma necessidade, não apenas para cuidar da saúde dos milhões de cubanos, mas também para exportar médicos. Em Cuba, existem cerca de 12 unidades do Programa Médico da Família, para uma população de cera de 11 milhões de habitantes. A média no país é de um médico para cada grupo de 183 habitantes.
Engana-se quem imagina que a principal fonte de receita de Cuba é o turismo. Ou mesmo o açúcar. Charutos e rum, produtos tradicionais, pouco pesam no PIB cubano. No topo da economia da ilha está a exportação de médicos, professores e engenheiros. .A exportação de médicos rende a Cuba 5 bilhões de dólares por ano, o que representa 7% do PIB da ilha. E duas vezes o que Cuba arrecada com todas as suas exportações.
Médicos cubanos estão atuando, através de convênios como que foi feito pelo Brasil, em mais de 60 países, dos desenvolvidos Canadá, França, Itália e Alemanha, a nações paupérrimas da África e da Ásia, além de todos os países da América Latina. A Dra. Egley, que hoje atua em Remédios, trabalhou três anos na Somália, norte da África, depois que se formou na Universidade de Havana.
"A medicina não é apenas uma profissão que a gente tem pra ganhar dinheiro. Temos o compromisso de cuidar das pessoas, seja em Cuba, seja em áreas carentes de outros países que não dispõem de médicos", afirma a Dra. Egley, com a concordância do Dr. Camilo, que atuou três anos na Bolívia.
UMA VISÃO HUMANISTA DA MEDICINA
Em meio à agitação de Habana Vieja, coração da capital cubana, tomada por turistas, a Dra. Blanca Rodrigues, especialista em angiologia, atende pacientes diabéticos numa das dezenas de clínicas espalhadas pela cidade. É ela quem, com a ajuda de um enfermeiro, avalia e massageia os pés de uma paciente com diabetes em estágio inicial. "Trabalhamos muito com a prevenção, evitando que as doenças se agravem. É um prazer cuidar da saúde das pessoas", afirma a Dra. Blanca, que já atuou no Equador e na Venezuela.
Um dos exemplos da preocupação do Governo de Cuba com a qualificação dos profissionais de saúde é o Instituto de Medicina Tropical Pedro Kouri (IPK). O IPK já preparou cerca de 45 mil médicos cubanos e 5 mil estrangeiros de 87 países, com especialização em doenças tropicais e enfermidades infecciosas, assim como na área assistencial e epidemiológica.
O instituto possui seis unidades nas Universidades de Havana, Las Villas, Camaguey e Santiago de Cuba. Além dos cursos de graduação, o IPK oferece Mestrado e Doutorado, através de convênios com Organização Panamericana de Saúde e a Organização Mundial de Saúde. De acordo com a Dra. Nereyda Cantelar, vice-diretora de docência "o IPK está autorizado a outorgar o certificado reconhecido pela Unesco, porque é reconhecida como centro de referência internacional em Medicina".
"Os médicos de Cuba que foram enviados para atuar no Brasil estão capacitados em doenças que ainda afetam a população das áreas mais carentes, como a dengue e enfermidades provocadas pelas precárias condições de vida e pela falta de ações de prevenção na área de saúde", ressalta a Dra Nereyda.
UMA MÉDICA BRASILEIRA EM HAVANA
Cuba não apenas exporta médicos para várias partes do planeta, mas também recebe estudantes de quase meia centena de países em seus cursos de medicina. É o caso da brasileira Geisianne Oliveira de Almeida, baiana de Feira de Santana. Filha de um pequeno comerciante e uma dona de casa, ela acaba de receber o diploma de Medicina pela Universidade de Camaguey.
"Foram seis anos de universidade e desde o início do curso tivemos contatos com pacientes. A partir do terceiro ano, tivemos atividades em tempo integrar em hospitais e clinicas", afirma Geisianne. Dois anos do curso são vividos em equipes do Programa Saúde da Família. "Os professores fazem questão de passar todos os conhecimentos, com aulas extras em currículos complementares como geriatria, oncologia, nutrição, cirurgias e outras áreas, já que temos uma formação generalista", diz a médica. Os estudantes recebem gratuitamente todo o material de ensino e os instrumentos de trabalho.
"Meu projeto é chegar ao Brasil e começar a atuar em regiões carentes, que precisam de médicos. Saio de Cuba como uma profissional capacitada e também como uma pessoa com uma visão humanista profissão", afirma.
Geisianne Oliveira de Almeida faz questão de exibir o diploma recém conquistado. Mais do que um pedaço de papel, é o registro de um compromisso. "O exercício da Medicina não é negócio, é principalmente cuidar da saúde das pessoas", finaliza.
Em tempo: os cubanos desconhecem a maneira hostil e até grosseira com seus compatriotas do programa Mais Médicos foram tratados por uma parte da mídia e entidades médicas do Brasil. Acreditam que eles foram recebidos de braços abertos, já que estão atuando em regiões de extrema pobreza.
É melhor que pensem assim.
O jornalista Daniel Thame viajou a Cuba a convite do governo cubano.
Foto 1: Dra. Blanca Rodrigues
Foto 2: Drs. Edley and Camilo
Foto 3: Dra. Geysianne.