Cuba
É hora de devolver Guantânamo a Cuba
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Ilustração publicada no The New York Times |
Nos dez anos desde que o campo de detenção na base naval norte-americana de Guantânamo foi aberto, o debate angustiante sobre se a instalação devia ser fechada – ou tornar-se permanente – obscureceu uma falha mais profunda que remonta a mais de um século e envolve todos os estadunidenses: a saber, nossa própria ocupação contínua de Guantânamo. Já é mais do que tempo de devolver esse enclave imperialista a Cuba.
Jonathan M. Hansen no The New York Times e lido no Vermelho
Desde o momento em que o governo dos Estados Unidos obrigou Cuba a nos arrendar a base naval na Baía de Guantânamo, em junho de 1901, a presença norte-americana ali tem sido mais do que uma pedra no sapato de Cuba.
Ela serviu para lembrar ao mundo a longa história de militarismo intervencionista dos Estados Unidos. Poucos gestos teriam um efeito tão salutar sobre o estúpido impasse nas relações estadunidenses-cubanas quanto à devolução desse cobiçado pedaço de terra cubano.
As circunstâncias pelas quais os Estados Unidos vieram a ocupar Guantânamo são tão problemáticas quanto sua última década de atividade nessa parte da Ilha. Em abril de 1898, as forças estadunidenses intervieram na luta pela independência de Cuba, que já durava três anos e estava praticamente ganha. Isso transformou a Guerra de Independência cubana no que os norte-americanos ainda costumam chamar de Guerra Hispano-Americana.
Em seguida, as autoridades norte-americanas excluíram o Exército cubano do armistício e negaram a Cuba um assento na conferência de paz em Paris.
“Existe um rancor e uma mágoa naturais tão grandes em toda Ilha, que as pessoas não conseguiram realmente comemorar o triunfo do fim do poder de seus antigos governantes”, observou o general cubano Máximo Gomez em janeiro de 1899, depois que o tratado de paz foi assinado.
Curiosamente, a declaração de guerra dos Estados Unidos à Espanha incluiu a garantia de que os norte-americanos não buscavam “soberania, jurisdição ou controle” sobre Cuba e pretendiam “deixar o governo e o controle da ilha a seu povo”.
No entanto, após a guerra imperativos estratégicos tomaram precedência sobre a independência cubana. Os Estados Unidos queriam o domínio sobre Cuba e bases navais das quais pudessem exercê-lo.
Entra o general Leonard Wood, a quem o presidente William McKinley havia nomeado governador militar de Cuba, sustentando provisões que se tornaram conhecidas como a Emenda Platt. Duas eram particularmente odiosas: uma delas garantia aos Estados Unidos o direito de intervir à vontade nos assuntos cubanos; a outra dispunha sobre a venda ou arrendamento de bases navais.
Juan Gualberto Gomez, um destacado delegado à convenção constitucional cubana, disse que a emenda faria dos cubanos “um povo vassalo”. Prenunciando a Crise dos Mísseis de Cuba, ele advertiu que bases estrangeiras em solo cubano só arrastariam Cuba “para conflitos não produzidos por nós e nos quais não temos nenhuma participação”.
Tratava-se, entretanto, de uma oferta que Cuba não poderia recusar, como Wood informou aos delegados. A alternativa à emenda era a ocupação contínua. Os cubanos entenderam o recado.
“Existe, é claro, pouca ou nenhuma independência real deixada a Cuba pela Emenda Platt”, observou Wood ao sucessor de McKinley, Theodore Roosevelt, em outubro de 1901, pouco depois de a Emenda Platt ser incorporada à Constituição cubana. “Os cubanos mais sensatos percebem isso e sentem que a única coisa consistente agora é buscar a anexação.”
Com a Emenda Platt em vigor, entretanto, quem precisava de anexação? Nas duas décadas seguintes, os Estados Unidos repetidamente despacharam fuzileiros navais com base em Guantânamo para proteger seus interesses em Cuba e bloquear uma redistribuição das terras.
Entre 1900 e 1920, cerca de 44 mil norte-americanos rumaram para Cuba, aumentando o investimento de capital na Ilha de US$80 milhões para pouco mais de US$1 bilhão e levando um jornalista a observar que “pouco a pouco, a Ilha toda está passando para as mãos de cidadãos norte-americanos”.
Como isso era visto da perspectiva de Cuba? Bem, imaginem que, ao fim da Revolução norte-americana, os franceses tivessem decidido permanecer por aqui. Imaginem que os franceses tivessem se recusado a permitir que Washington e seu Exército comparecessem ao armistício em Yorktown. Imaginem que eles tivessem negado ao Congresso Continental um assento no Tratado de Paris, proibido a expropriação de propriedades, ocupado o Porto de Nova York, despachado tropas para esmagar a rebelião de Shay e depois imigrado para as colônias aos montes, apoderando-se das terras mais valiosas.
Esse é o contexto em que os Estados Unidos vieram a ocupar Guantânamo. Essa é uma história excluída dos livros didáticos estadunidenses e negligenciada nos debates sobre terrorismo, direito internacional e o alcance do poder Executivo. Mas é uma história conhecida em Cuba (onde motivou a revolução de 1959) e em toda a América Latina. Ela explica por que Guantânamo continua sendo um símbolo flagrante de hipocrisia mundo afora. Nem é preciso falar da última década.
Se o presidente Barack Obama quisesse reconhecer essa história e iniciar o processo de devolução de Guantânamo a Cuba, ele poderia deixar os erros dos últimos dez anos para trás, sem falar de cumprir uma promessa de campanha.
Dada a intransigência do Congresso norte-americano, não poderia haver melhor maneira de fechar o campo de detenção do que entregar o restante da base naval com ele. Isso retificaria uma agravo antigo e assentaria as bases de novas relações com Cuba e outros países do Hemisfério Ocidental e em todo o globo. Por fim, enviaria uma mensagem inconfundível de que integridade, autocrítica e franqueza não são evidências de fraqueza, mas atributos indispensáveis de liderança num mundo em constante transformação.
Certamente, não deve haver maneira mais adequada de observar o lamentável 10.º aniversário da criação do centro de detenção, nesta quarta-feira (11), do que defender os princípios que Guantânamo solapou por mais de um século.
Jonathan M. Hansen é palestrante em estudos sociais da universidade de Harvard e autor do livro Guantânamo: uma história norte-americana.
Tradução: Celso Paciornik
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