Cuba
Havana sempre a mesma? (o antes e o depois de Fidel)
Por Renato Beschizza Valentin
Havana nem sempre foi a mesma. Existia uma Havana antes de 1959, e passou a existir outra Havana a partir de 1959. No calendário papal, a história da humanidade é registrada antes e depois de Cristo (a. C. – d. C.). Na memória cubana, a história de Havana é registrada antes e depois de Fidel (a. F. – d. F.).
Que o diga aquele velhinho cubano, na casa dos setenta, que jamais imaginava que algum dia poria a cabeça no travesseiro sem ter que se preocupar com a refeição do dia seguinte. Que o diga aqueles camponeses de Sierra Maestra, analfabetos, famintos e exaustos, que se perguntavam se era possível a um cortador de cana chegar aos quarenta anos de idade. Que o diga a terça parte de Havana outrora recoberta por barracos improvisados, onde se localizavam as grandes favelas cubanas (Las Yaguas, Llega y Pon, La Cueva Del Humo, dentre outras), situadas bem longe do alcance de visão dos gringos e ricaços que frequentavam os cassinos, hotéis e restaurantes de luxo mantidos pela máfia nova-iorquina e pela burguesia imperialista mais próxima – mas isso tudo foi antes de Fidel (a. F.). Depois de Fidel (d. F.), a história é outra, Havana é outra.
Tal como a geografia de Havana, a de São Paulo também mudou em função do tempo. O fluxo dos anos trouxe novidades para ambas as cidades. Em Havana d. F. (depois de Fidel), o fluxo dos anos trouxe pão e trabalho, rosas e casas, tratores e asfalto, educação e família, luz e esgoto, sorrisos e bicicletas, doces e bebidas, charutos e hospitais, sacrifício e esperança, guerra e paz. “Americanos ricos já não passeiam por Havana”, disse Caetano Veloso numa de suas músicas. De fato, nunca mais um Carlos Lacerda passearia por Havana como o fez em 1958. Depois de 1959, nunca mais um Don Corleone estufaria a pança no El Nacional. Realmente, 1959 é um ano que nos incita a pensar em muita coisa. A partir de 1959, favelados paulistanos começaram a vender maconha, sem armas, nem máfias. A partir de 1979, mais ou menos vinte anos depois, os filhos daqueles favelados de ‘59 já começavam a se organizar em pequenos grupos armados para vender de tudo e mais um pouco. Em 1959, eles corriam da polícia; agora, a polícia corre deles (ao ponto de um membro do PCC dizer por aí que reconhece um policial pelo cheiro das fezes). Em 1989, quando Lula perdeu a primeira oportunidade de tornar-se burguês à custa do povo brasileiro, a cidade de São Paulo tinha a quarta parte da quantidade total de presidiários que possui atualmente (considerando que de lá para cá a população em geral sequer dobrou...). São Paulo é assim, tudo muda, nada fica no lugar: os tratores removem o entulho dos velhos edifícios burgueses, enquanto as chuvas de verão removem os barracos das jovens favelas proletárias. Em São Paulo, você passa de carro por uma avenida bem asfaltada. Na semana seguinte, tudo está diferente, a avenida virou represa de uma enchente e por ela você não passa de carro a não ser boiando dentro dele. Uma garota paulistana leva o namorado até o casebre onde ela mora junto aos vários parentes. Depois de alguns dias o namorado volta e o casebre da linda mocinha não está mais lá: foi derrubado pela Prefeitura para dar espaço às obras da Copa do Mundo, atendendo aos pedidos do Governo Federal. De fato, o prof. Benatti tem razão: São Paulo muda muito e muda muito rápido!
Havana, a sempiterna, verdadeiro compêndio urbano que resume o passado, o presente e o futuro da América latina. O que não quer dizer que Havana (d. F.) será sempre a mesma. Tudo pode acontecer (ainda mais em Cuba). Quem diria que uns poucos homens famintos e perdidos na Sierra Maestra fariam a revolução num país sitiado pela maior potência bélica do mundo? Quem diria que aquele país de analfabetos seria o primeiro país da América a acabar com o analfabetismo? Quem diria que aquele país de famélicos seria o único a atravessar o limiar do século XXI sem desnutrição infantil? De fato, tudo muda, até a bermuda e as Bermudas...
François-Dominique Toussaint d’ Louverture foi o primeiro grande herói da luta contra o colonialismo e contra a escravidão. Virou lenda ainda em vida. Antes do grande herói Louverture, só havia mártires. Na luta contra o imperialismo, os mártires são legião e os heróis são minoria. Louverture fez em Santo Domingo a mesma coisa que Zumbi teria feito se vivesse numa ilhota (como Cuba ou Haiti), e não em terras tão vastas como as de Santa Cruz (como era chamado o Brasil na fase colonial). Mas acontece que em História não existe a partícula “se...”. Para o bem e para o mal.
Por fim, quero parabenizar o prof. Benatti pelo texto muito bem escrito, que provoca e faz pensar.
(Eis o link do texto do prof. Benatti, ex-PCB e hoje no PSDB, que me levou a escrever o texto acima: http://catanduvanaoesquece.com/2012/11/20/havana-para-sempre-2/).
Renato Beschizza Valentin é professor de Educação Física.
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