Preso sem julgamento e em greve de fome: O depoimento de um detento em Guantânamo
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Preso sem julgamento e em greve de fome: O depoimento de um detento em Guantânamo



Samir Naji al Hasan Moqbel
O iemenita Samir Naji al Hasan Moqbel publicou o relato de seu dia-a-dia dramático na prisão.
 
Via Diário do Centro do Mundo

Samir Naji al Hasan Moqbel é um iemenita detido na prisão militar na Baía de Guantânamo há 11 anos, sem acusação ou julgamento. Ele diz que sua detenção por tempo indeterminado o “está matando”. Seu telefonema foi transcrito por seus advogados e publicado no New York Times. Seu depoimento aqueceu o debate público em torno das violações de direitos humanos em Guantânamo.
 
Um homem aqui pesa apenas 32 quilos. Outro, 44. Da última vez em que me pesei, estava com 59, mas isso foi há um mês.
 
Eu estou em greve de fome desde 10 de fevereiro e perdi mais de 30 quilos. Não comerei até que restaurem minha dignidade.
 
Fui detido em Guantânamo por 11 anos e três meses. Eu nunca fui acusado de qualquer crime. Eu nunca tive um julgamento.
 
Eu poderia estar em casa há anos – ninguém pensa seriamente que eu sou uma ameaça –, mas ainda estou aqui. Anos atrás, os militares disseram que eu era da “guarda” de Osama bin Laden, mas isso é um absurdo, parecido com os filmes norte-americanos que eu costumava assistir. Eles nem sequer parecem acreditar mais. Mas eles não parecem se importar com quanto tempo eu fico aqui, também.
 
Quando estava em casa, no Iêmen, em 2000, um amigo de infância me disse que no Afeganistão eu poderia ganhar melhor do que os US$50,00 por mês que ganhava em uma fábrica sustentar minha família. Eu nunca tinha viajado e não sabia nada sobre o Afeganistão, mas eu fiz uma tentativa.
 
Eu estava errado em confiar nele. Não havia trabalho. Eu queria ir embora, mas não tinha dinheiro para voltar para casa. Após a invasão norte-americana, em 2001, eu fugi para o Paquistão, como todo mundo. Os paquistaneses me prenderam quando pedi para ver alguém da embaixada iemenita. Fu então enviado para Kandahar e colocado no primeiro avião para Guantânamo.
 
No mês passado, no dia 15 de março, eu estava doente no hospital da prisão e me recusei a ser alimentado. Uma equipe da ERF [Extreme Force Reaction], um esquadrão de oito policiais militares da tropa de choque, invadiu meu quarto. Amarraram minhas mãos e pés na cama. Eles inseririam uma agulha intravenosa em minha mão. Passei 26 horas nesse estado, amarrado à cama. Durante esse tempo, eu não tinha permissão para ir ao banheiro. Inseriram um cateter, o que foi doloroso, degradante e desnecessário. Eu nem estava autorizado a rezar.
 
Nunca vou esquecer a primeira vez em que o tubo de alimentação passou em meu nariz. Eu não posso descrever o quão doloroso é ser alimentado à força dessa maneira. Como foi empurrado para dentro, ele me fez sentir vontade de vomitar. Eu queria vomitar, mas não podia. Senti agonia em meu peito, garganta e estômago. Eu nunca tinha experimentado essa dor antes. Eu não gostaria que este castigo cruel fosse aplicado a ninguém.
 
Eu ainda estou sendo alimentados à força. Duas vezes por dia, eles me amarraram a uma cadeira na minha cela. Meus braços, pernas e cabeça são amarrados. Eu nunca sei quando eles virão. Às vezes, eles vêm durante a noite, tão tarde como 23 horas, quando estou dormindo.
 
Há tantos de nós em greve de fome, agora, que não há membros da equipe médica qualificados para realizar a alimentação à força e nada acontece em intervalos regulares. Eles estão alimentando as pessoas só para mantê-las.
 
Durante uma sessão de alimentação forçada, a enfermeira empurrou o tubo de cerca de 18 centímetros em minha barriga, me machucando mais do que o habitual, porque ela estava fazendo as coisas apressadamente. Pedi para o intérprete perguntar ao médico se o procedimento estava sendo feito corretamente ou não.
 
Era tão doloroso que eu pedia-lhes para parar de me alimentar. A enfermeira se recusou. Como eles estavam terminando, alguns dos “alimentos” foram derramados em minhas roupas. Pedi-lhes para trocar de roupa, mas o guarda recusou-se a me permitir esse último resquício de minha dignidade.
 
Quando eles vêm para me forçar a permanecer na cadeira e eu me recuso a ser amarrado, chamam a equipe da ERF. Então, eu tenho uma escolha. Ou eu posso exercer meu direito de protestar contra minha detenção e ser espancado, ou posso encarar a dolorosa alimentação forçada.
 
A única razão pela qual eu ainda estou aqui é que o presidente Obama se recusa a enviar os detentos de volta para o Iêmen. Isso não faz sentido. Eu sou um ser humano, não um passaporte, e mereço ser tratado como tal.
 
Eu não quero morrer aqui, mas até que o presidente Obama e o presidente do Iêmen façam alguma coisa, é o que arrisca acontecer todos os dias.
 
Onde está o meu governo? Eu vou me submeter a quaisquer “medidas de segurança” que eles quiserem a fim de ir para casa, mesmo que seja totalmente desnecessário.
 
Eu vou concordar com o que for preciso a fim de ficar livre. Estou agora com 35 anos. Tudo que eu quero é ver minha família de novo e recomeçar minha vida.
 
A situação é desesperadora agora. Todos os detidos aqui estão sofrendo profundamente. Pelo menos 40 pessoas estão em greve de fome. As pessoas estão desmaiando de exaustão todos os dias. Eu vomitava sangue.
 
E não há fim à vista para nossa detenção. Recusar alimentos e sofrer risco de morte todos os dias são as escolhas que fizemos.
 
Eu só espero que, por causa da nossa dor, os olhos do mundo mais uma vez se voltem para Guantânamo, antes que seja tarde demais.
 
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