Segundo Dia em Cuba.
Cuba

Segundo Dia em Cuba.



Fonte: DIÁRIO DO RAMON EM CUBA

Segundo Dia.

Levantei por volta das 9h30, tomamos o mesmo ótimo café da manhã e fui a procura de mais conhecimento, cultura e vivência. Saindo de Havana Velha, pela Avenida do Porto, vi uma grande concentração de turistas alemães e quando me dei conta era o Museu do Rum Havana Club, o rum mais famoso e requisitado da Ilha. Com três andares, o museu tem um bar e uma loja logo na entrada e nos dois próximos andares ficam o museu, que além de muito bonito e cheio de informação, também já serviu de palco para gravação do clipe “Estoy como nunca”, de Eliades Uchoa, que ganhou notoriedade após fazer parte do conjunto Buena Vista Social Clube e que reside até hoje em Cuba, na cidade de Santiago. Percorri todo o museu que inclui uma enorme maquete (ocupando uma sala de uns 400m²) mostrando como era todo o processo da fabricação de açúcar desde o corte da cana, passando pelo transporte nos trens e chegando as refinarias.



Após isso entrei no bar que estava tendo uma apresentação de um grupo cubano de música tradicional. Tocavam bolero e salsa, com um desempenho especial do vocalista que também tocava contra baixo com as duas mãos fazendo giros com o violoncelo (os cubanos preferem violoncelo ou rabecão ao invés do baixo elétrico tradicional). Poderia ficar ali durante horas, mas como queria conhecer o quanto mais da cidade fui ao bar comprar garrafas do legítimo rum Havana Club que custavam desde 3 dólares (garrafinha de 400ml) até 18 doláres (garrafa de 1L com rum especial envelhecido). Voltei para casa guardar as garrafas já que era próximo do museu e me devolvi para as  ruas.

Entrando na Praça das Armas vi uma feira de livros ao ar livre que custavam entre poucos centavos até 7 dólares no máximo. Como já disse anteriormente, os preços variam muito, pois tem lugares que vendem somente em CUC ou peso cubano, e muitas vezes encontram-se os mesmos produtos pagando muito menos em peso cubano, por isso é sempre bom pesquisar.


O Museu do Rum Havana Club



Ainda com os livros em mãos lembrei-me de que do outro lado da avenida em frente ao Hotel Inglaterra parte um ônibus (parecidos com aqueles ingleses de dois andares) que percorre toda Havana. Quando vi o ônibus, fui correndo para não perde-lo:  paguei 5 dólares, fui informado de que aquele bilhete valia para passeios durante todo o dia e subi para a parte ao ar livre. Saímos do centro passando por Havana Velha até chegar a Av. Malecon, depois passando pela fantástica Praça da Revolução até o bairro de Vedado que tem as maiores casas (mansões mesmo) de Cuba e que são divididas hoje por famílias de cidadãos comuns e que antes eram de embaixadores, mafiosos, artistas e políticos norte americanos.

Durante todo o trajeto não vi nenhum barraco, nenhum morador de rua, nenhuma casa amontoada de varias famílias e nenhum acumulo de lixo. Por ser um sábado o que eu mais vi eram crianças se divertindo pelas dezenas de praças espalhas por Cuba jogando futebol, beisebol, etc.

No caminho de volta para a casa em que estava conversei com uma cubana formada em economia. Ela me contou suas opiniões sobre o sistema e disse que o cubano é mais “fidelista” do que socialista, que Cuba deve sim abrir espaço para investimento estrangeiro, mas sempre com controle dos próprios cubanos para não haver abusos e acabarem com a Revolução como na ex-União Soviética.

À noite fui encontrar a brasileira Maria Leite, uma professora de Santos que viaja para Cuba há 30 anos, e alguns cubanos. Ao chegar a casa, um grande sobrado atrás do Capitólio no centro de Havana estava me esperando da varanda um casal, o Luis e a Isabel.
O casal tem cerca de 60 anos. Ele lutou na guerra de Angola por dois anos (86 a 88) e hoje é presidente do Comitê de Defesa da Revolução (CDR) de sua zona e ela dirigente do mesmo. Ao longo do tempo trabalharam sempre a favor da Revolução por diversas instituições de ensino, como a Universidade de Havana. Por todos esses serviços prestados quando casaram ganharam da Assembléia Popular de Havana uma casa para morarem e onde estão até hoje.

Ficamos por horas conversando, regado a rum. Luis me explicou como funciona o sistema político da Ilha. A primeira coisa que ele deixou bem claro foi que o Partido Comunista Cubano não participa das eleições, apenas ajuda na organização do processo democrático e da continuidade da ideologia comunista. Esses CDR’s são divididos mais ou menos a cada dois quarteirões (também depende da densidade demográfica) e é dali que saem os candidatos a Assembléia Popular da cidade (como a Câmara dos vereadores das cidades brasileiras). 50% desses candidatos são propostos pelos movimentos sociais (União dos Jovens Comunistas, das mulheres, dos camponeses, todos os sindicatos, etc) e outros 50% qualquer pessoa pode se candidatar. Os candidatos apresentam a proposta ali mesmo no bairro, normalmente na rua, em frente aos moradores. Após isso é feito a votação aberta (apenas levantando a mão) e quem receber a maior parte dos votos será o candidato que representará todas as pessoas daquela zona para ser candidato a delegado (vereador) da Assembléia Popular da cidade. Daí por diante constrói-se uma escada com os delegados do bairro (vereadores) elegendo o delegado da cidade (prefeito), depois os delegados das cidades elegem os delegados da província (governadores). Os delegados das províncias escolhem os delegados da Assembléia Nacional (deputados) e esses escolhem o deputado em chefe do Conselho de Estado (presidente). Comparando com nosso sistema eleitoral brasileiro aonde quem tem mais dinheiro para propaganda vence, imaginemos um sistema eleitoral onde o candidato tem que ser eleito pelos seus próprios vizinhos para tentar algum cargo político.



 Grupo musical local no bar do Museu Havana Club



Ainda sobre o sistema político, em Cuba não há salários nem benefícios para os políticos, pelo contrario, há muita cobrança do povo para o cumprimento dos objetivos propostos e a cada seis meses o político tem que apresentar um relatório para a população, cara a cara, do mesmo jeito que foi eleito.

Isabel me alertou quando comecei a fazer perguntas para o Luis de que ele era um mestre em história cubana e os dois deram risadas. Prontamente eu disse que adoro a história de Cuba e continuamos a conversa. Segundo ele os cubanos que vivem na noite são pessoas que não querem trabalhar, nem estudar e apenas ganhar dinheiro fácil e são esses que a grande mídia destaca para falar mal de Cuba. Esses vagabundos, para ele, são os que reclamam da cesta básica dada pelo governo e que se soubessem variar o cardápio facilmente a “libreta”, como chamam os cubanos, sustentaria qualquer família. Luis ainda me questionou “Se todos no mundo comessem carne de boi haveria carne para 7 bilhões de pessoas? Se todos tivessem seus próprios carros o transito não ficaria parado?”

Já era mais de meia noite e antes de ir embora a Maria me mostrou livros e indicou o caminho para livrarias onde eu gastaria centavos de real para comprar – e ela estava certa pois comprei 9 livros por menos de 6 reais e teve gente que pagou menos por mais livros, porém isso fica para outro dia.

Voltando para casa me lembrei que disseram que eu fiquei no bairro mais pobre de Havana (Havana Velha) e sinceramente pra quem esta acostumado com as favelas brasileiras o bairro mais pobre da capital de Cuba é comparável a um bairro de classe média baixa brasileira.



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