Cuba
Um socialista cubano em Miami
A Associação Nacional de Cubanos Residentes no Brasil (ANCREB) realizou, no Rio de Janeiro, a sua segunda convenção para analisar como pode contribuir para fazer frente à ofensiva midiática contra Cuba, que, nos últimos meses, intensificou-se.
Um dos participantes do encontro, o jornalista cubano Edmundo García – que veio de Miami, onde vive há dez anos e tem um programa de rádio de grande audiência (um milhão de ouvintes em AM e na internet) –, conversou com o Brasil de Fato sobre os desafios de se viver numa cidade dos Estados Unidos em que cubanos-estadunidenses têm grande presença e influência, inclusive na política estadunidense.
Ele explica, também, que os cubanos que eventualmente vivem no exterior não necessariamente se alinham com as organizações de extrema direita que fazem violenta campanha contra o regime socialista da ilha caribenha. Segundo ele, as novas gerações de cubanos, embora não cheguem a ser revolucionárias, não aceitam o ideário anti-castrista dos remanescentes da época em que Cuba era considerada o prostíbulo do Caribe.
O jornalista cubano revela – segundo ele, pela primeira vez – como Cuba, ao informar o serviço secreto dos Estados Unidos de um complô, evitou que a extrema direita estadunidense perpetrasse um atentado que poderia ter assassinado o então presidente Ronald Reagan (1981-1989) e que, possivelmente, convulsionaria
aquela nação.
Brasil de Fato(BF) :Há quanto tempo vive em Miami?
Edmundo García(EG) :Há mais de dez anos.
BF: Por que decidiu sair de Cuba e ir para Miami?
EG: Minha saída de Cuba se deveu a uma decisão pessoal. Nunca fiz parte da chamada “oposição” nem tive algum enfrentamento ou colisão com o governo cubano. Vivo em Miami porque é lá onde estão minhas raízes cubanas mais próximas.
BF: Desde que se radicou em Miami, esteve alguma vez em Cuba?
EG: Visitei Cuba em oito ocasiões depois de partir.
BF: De um modo geral, quando se fala de cubanos residentes nos Estados Unidos, eles são associados aos setores de direita, dos que saíram nas ruas para comemorar a doença de Fidel Castro ou dos que previam o fim do socialismo em Cuba, o que já foi objeto até de crônica irônica do escritor uruguaio Eduardo Galeano. Mas parece que nem todos estão nessa linha. Explique o panorama dos cubanos que vivem nos Estados Unidos.
EG: Sim, em Miami, vivem terroristas, mas que estão cada vez mais em minoria. Eles têm seus protetores, incluído o próprio governo dos Estados Unidos. Mas, agora, a comunidade cubana, sobretudo os que chegaram depois de 1980, têm uma visão diferente sobre Cuba. Não digo que sejam revolucionários, e sim que não sentem vínculos com a extrema direita, que é igual a um tigre com dinheiro, mas sem dentes, nem força de convocação, nem prestígio e moral. Estão condenados pela história.
BF: Como se deu o seu processo de politização até chegar a ser um defensor do regime cubano?
EG: A ultra-direita cubana me fez abrir mais os olhos e pude ver que seus interesses são alheios e perigosos para o povo cubano.
BF: Você é um radialista cubano que atua em Miami num espaço com um milhão de ouvintes. Como é ser cubano, não anti-regime socialista, vivendo em Miami? Em suma: como é viver numa cidade onde se encontram notórios terroristas circulando impunemente, como Posada Carriles e outros? Aliás, explique para os leitores quem é Carriles.
EG: É um desafio diário levantar uma voz alternativa em Miami, mas é gratificante quanto alcançamos quem queremos. Enfrentar diariamente os anti-cubanos produz adrenalina, que estimula os desejos de realizar. Posada Carriles é o Osama Bin Laden da América Latina, com dezenas de torturas, desaparecimentos e assassinatos em seu currículo. Os Estados Unidos o julgam apenas como mentiroso e não querem deportá-lo para a Venezuela, onde ele está condenado por ser o responsável por uma explosão de um avião da Cubana de Aviação que provocou 73 mortes. Posada Carriles ingressou recentemente nos Estados Unidos burlando o serviço de imigração. Mentiu para entrar. Mas é bom saber que os Estados Unidos não querem molestar esse terrorista. É pura hipocrisia, portanto, sobretudo pelo fato de os Estados Unidos se colocarem, aos olhos do mundo, diferenciando terroristas. Ou seja, os bons, como Posada Carriles, e os demais.
BF: Você tem sofrido ameaças da direita cubana, integrada por remanescentes do anterior regime e, até mesmo, repressores da ditadura de Fulgencio Batista (ditador derrubado pela Revolução Cubana, em 1959)?
EG: Sim, fizeram-me ameaças pouco importantes, mas perseguiram-me economicamente para que eu não fale, para que não transmita minhas ideias. Entender de fora de Cuba o processo político do país é algo longo de explicar, mas te digo: está relacionado com a consciência de cada um, principalmente quando nos damos conta dos perigos e injustiças que Cuba enfrenta.
BF: Em sua palestra no Rio de Janeiro, na atividade da Associação Nacional dos Cubanos Residentes no Brasil, você disse que o governo cubano informou ao governo dos Estados Unidos, no período do presidente Ronald Reagan, sobre a possibilidade de um atentado para assassiná-lo. Como é essa história?
EG: A história é como contei. Nos anos 1980, um grupo extremista branco dos Estados Unidos tinha tudo preparado para assassinar o presidente Ronald Reagan. Cuba obteve essa informação e a transmitiu às autoridades daquele país. O atentado foi neutralizado e os extremistas presos, com todas as provas. O serviço secreto dos EUA agradeceu ao governo cubano. O irônico da história é que o governo estadunidense financiava e assessorava a tristemente célebre Fundação Nacional Cubano Americana, a qual, entre outras coisas, organizaria o plano de assassinato de Fidel Castro naquele ano.
BF: Você, como cidadão estadunidense, revelou ter votado no presidente Barack Obama. Por que votou nele? E agora, está decepcionado ou repetiria tranquilamente o voto?
EG: Não há dúvidas que Obama deu esperanças aos Estados Unidos e ao mundo, por sua cor, por sua inteligência e pela necessidade real de uma mudança, mas o establishment o engoliu. Falta-lhe caráter e, se não reagir logo, passará para a história como mais do mesmo. E a direita estadunidense vai radicalizar ainda mais caso tome o poder. Tudo isso é muito perigoso para os Estados Unidos e para o mundo, principalmente para a América Latina. A política externa estadunidense pouco mudou. Claro que Obama me decepcionou.
BF: Você vê possibilidade de, no governo Obama, ocorrer alguma mudança de postura dos Estados Unidos em relação a Cuba?
EG: Creio que Obama ainda está em tempo de cumprir tanto as promessas de campanhacomo as que fez na última Cúpula da Américas, em Trinidad y Tobago, aos presidentes da região; algo que não fez, mas, oxalá, corrija.
Bastaria apenas que cumprisse o dito em Trinidad y Tobago e já estaria colocando um novo rumo em sua política em relação a Cuba. Fará isso? Não tenho grandes esperanças, mas aguardemos com a paciência de Jó, sempre com a certeza do que está em jogo para Cuba.
BF: Alguma mensagem especial aos leitores do Brasil de Fato?
EG: Ao Brasil, o gigante deste continente, ao seu povo, agradeço pela solidariedade, por ser uma força de importância vital dos novos tempos. Defender o direito de Cuba a sua soberania, sem ingerências nem embargos comerciais, é algo que ajuda a que esses mesmos direitos sirvam para esta nossa América. Não se deixem enganar por campanhas midiáticas pagas e vergonhosas contra a pequena, mas heroica e solidária, Cuba. Ajudem-nos a libertar os cinco heróis presos nos Estados Unidos.
Edmundo García, 42 anos, é um cubano que vive em Miami (EUA) há dez anos. Tem um programa de rádio cuja audiência alcança um milhão de ouvintes em todas as tardes, em AM e na internet, e onde defende a Revolução Cubana e denuncia ações da extrema direita do exílio cubano.
Essa entrevista se encontra na edição imprensa do Brasil de Fato – edição 385 - de 8 a 14 de julho de 2010
Disponivél na internet em : http://alainet.org/active/39509
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