Cuba
Cuba procura seu caminho, e se preserva uma nação altiva
Cubanos recebem visitantes sem arrogância nem submissão. Sua altivez no relacionamento turístico se estende também à preocupação com a consolidação da soberania, em um mundo claramente hostil.
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Por Lalo Leal na Rede Brasil Atual
Cuba vinha recebendo em média 2,5 milhões de turistas por ano. No primeiro trimestre de 2015, já chegam a 1 milhão. Isso sem que ainda tenham sido restabelecidos voos regulares com os Estados Unidos. Do Brasil, apenas uma agência de viagens coloca por ano em Cuba cerca de mil visitantes. A tendência é que em pouco tempo a ilha do Caribe, pouco maior que Pernambuco, receba tantos turistas quanto todo o Brasil.
Essa indústria foi implementada nos anos 1990 como forma de enfrentar a crise decorrente do fim do campo socialista combinado com o bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos, em vigor desde 1962. Se de um lado a política contribuiu para aliviar agruras econômicas, de outro trouxe para dentro do país hábitos e comportamentos diversos dos padrões igualitários de vida adotados pelos cubanos.
No entanto, em uma visão impressionista, circulando alguns dias por Havana é possível perceber que a contaminação turística não tirou dos cubanos a altivez cunhada numa longa história de lutas em busca da soberania. Turistas são assediados por ofertas de serviços e produtos como em qualquer outro destino semelhante existente no mundo.
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Mas tanto esses cubanos como principalmente aqueles que atuam em hotéis, restaurantes e lojas tratam os clientes de igual para igual, sem arrogância, mas nunca com submissão. Comportamento semelhante e decorrente da própria postura da nação, capaz de enfrentar da mesma forma os desafios impostos ao país há mais de meio século pela maior potência bélica do mundo, situada a poucos quilômetros.
“Pela primeira vez, na história da América Latina, uma revolução nacional deixaria de dissociar o elemento nacional do elemento democrático e, ao vencer, a ideia de nação arrasta com ela a construção de uma ordem social inteiramente nova e socialista” (Florestan Fernandes)
A altivez não se resume ao relacionamento turístico. Revela-se cada vez mais na discussão dos problemas internos. A universalização dos serviços públicos de educação e saúde, bem como a garantia de uma cesta básica de alimentação para todos, já não bastam. Passa-se a discutir a qualidade desses e de outros serviços, e as formas de colocá-los em prática.
Entre elas está a abertura mais recente de alguns setores da economia para prestadores de serviços “por conta própria”, como restaurantes e transportes de passageiros, dentro de limites estabelecidos em lei. Se a construção do socialismo cubano não foi fácil, sua consolidação em um mundo claramente hostil requer extraordinária habilidade política. Trabalho que inclui tanto as medidas internas mencionadas como a busca do reatamento de relações diplomáticas com os Estados Unidos, sem no entanto deixar de censurá-los por sua atitude belicosa diante da Venezuela.
Tudo isso, muitas vezes, passa despercebido pelo turista, especialmente o brasileiro de classe média que vai a Cuba e mede o país com sua régua capitalista. Pode ser pedir muito, mas seria interessante que antes de viajar folheassem o livro do professor Florestan Fernandes Da Guerrilha ao Socialismo: A Revolução Cubana. Diz ele, em trecho ressaltado no prefácio pelo professor Antonio Candido: “Pela primeira vez, na história da América Latina, uma revolução nacional deixaria de dissociar o elemento nacional do elemento democrático e, ao vencer, a ideia de nação arrasta com ela a construção de uma ordem social inteiramente nova e socialista”.
Entender essa nova ordem é fundamental, com seus avanços e recuos, erros e acertos. A leitura e a reflexão de trechos como esse tornariam a viagem mais proveitosa, acrescentando às praias e aos mojitos uma experiência de crescimento intelectual e espiritual inigualável. Sem falar da riqueza melódica a acompanhá-los por toda a parte.
À semelhança do Buena Vista Social Club, brotam conjuntos de músicos e cantores que, aos 70, 80 anos, seguem levantando as plateias com suas vozes e ritmos, ao lado de conjuntos jovens de jazz com fortes sabores latinos. Vidas que pulsam entre a defesa das conquistas obtidas e a busca de condições de vida mais confortáveis. Compreender esse desafio é tarefa fundamental para apoiar um processo histórico inédito no continente, onde a solidariedade busca se sobrepor ao individualismo.
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