Primeiro Dia em Cuba.
Cuba

Primeiro Dia em Cuba.



Fonte: DIÁRIO DO RAMON EM CUBA

Primeiro dia em Cuba.

Vou apresentar nesse blog* o diário das quase três semanas viajando e sentindo na pele o dia a dia e a realidade do cubano.

Uma pequena introdução: sobre os preços vou expor apenas em dólar ou real para ficar mais fácil de compreender. Mas em Cuba correm duas moedas: pesos cubanos e CUC (pesos cubanos convertíveis). O CUC é para os turistas e como 1 CUC valem 25 pesos cubanos isso faz com que o turista gaste mais, e como vou apresentar há lugares para a mesma finalidade pagando em CUC ou peso cubano. Para não haver confusão de valores vou passar tudo já convertido, porém sempre deixarei claro quando o local é destinado ao público do turismo ou para o cidadão cubano. 
1 CUC = 1 dólar
25 pesos Cubanos = 1 dólar


Primeiro dia

Cheguei a Havana por volta das 22h30 do horário local. Ainda dentro do avião sobrevoando Havana pude ver uma cidade tranqüila, iluminada e sem grandes prédios, muitos poucos aliás. Ao descer do avião e pisar pela primeira vez em solo cubano, já com lágrimas nos olhos, abri os braços e fechei os olhos num gesto de grande abraço a pátria que me acolheria durante 20 dias. Numa rápida entrevista feita pela alfândega perguntaram se eu era parente do Fidel Castro, tendo em vista que me chamo Ramon de Castro Chiúsoli Madureira. Apenas respondo com um sorriso de que era apenas uma homenagem e segui em frente. Notei que o nome na ficha “Ramon de Castro” foi circulado pela autoridade alfandegária e em nenhum outro papel das outras pessoas que estavam comigo havia qualquer rabisco, o que achei curiosamente engraçado. O controle para entrada é bem forte e os cubanos regressando ao país são tratados com muita desconfiança. O primeiro questionamento ao cubano que está voltando ao país é se ele é um colaborador da Revolução, ou seja, se é um legítimo cubano já que há tantos cubanos dissidentes, apenas por dinheiro, que levam bombas e armamentos ilegalmente para Cuba. Fomos os últimos a sair do aeroporto e éramos 15 pessoas. O Raimundo – cubano e que mora atualmente em MG dando aulas numa Faculdade, tem cerca de 30 anos, careca, alto e moreno, com a cara de um cubano e jeito de brasileiro – negociou com os taxistas e fizemos uma viagem até a casa de Nelson tranquilamente. Nelson é um cubano como tantos outros que aluga quartos em sua casa para turistas, paga uma taxa de 100 dólares por mês e recebe cerca de 30 dólares por dia de hospedagem, fora o café da manhã (6 dólares) e o jantar (8 a 12 dólares dependendo do prato) cobrados a parte.

Logo na entrada da avenida saindo do aeroporto pude ver o outdoor instalado desde a época da visita do Papa em 1991 em Cuba onde está escrito em espanhol "no mundo há mais de 200 milhões de crianças dormindo na rua e nenhuma delas é cubana". Frase a qual constatei naquele dia e nos dias subsequentes ser uma verdade "verdadeira" (para os céticos) e não vale só pra crianças, mas para crianças, jovens, adultos e idosos. Ninguém dorme na rua.

No caminho, logo por sinal, vi muitas casas bonitas e sobrados. Em Havana Velha, onde fiquei hospedado, há muitas casas em reconstrução – e são da época do Renascimento – e muitas já estão restauradas o que aumenta a sensação de estar numa outra época, ainda que os taxis atuais sejam novos e importados da China (Jacmotors).  Falando nisso no pouco tempo (até agora) vi mais carros novos circulando. Estávamos em quatro pessoas e cada um pagou 3 dólares sendo que um dos viajantes ficou em um bairro distante, mas era caminho desde o aeroporto. 


Em frente a casa de Nelson em Havana Velha


Cheguei a casa já eram mais de 2h da manhã e o Nelson de bermuda, regata e chinelo estilo havaianas me recebeu com cara de quem acabará de acordar, mas um grande sorriso de recepção. A casa é muito bonita, espaçosa de dois andares, verde por fora, com paredes brancas por dentro, azulejos desenhados na cor do sol, lustres antigos reformados que me pareceram cobre, na sala uma  poltrona, sofá e uma TV 29 polegadas. 

Mais tarde fui descobrir que os cubanos não assistem tanta TV como nós, mas também adoram uma novela e para minha surpresa as novelas brasileiras são as mais assistidas e já faz um bom tempo. 

Estávamos com fome e para fechar a chegada em grande estilo Nelson ofereceu suco de melancia e lanche de mortadela num pão de hambúrguer com rodelas de tomate.  Fui dormir era mais de 3h da manhã e acordei às 9h. 

O café da manhã era bem farto com pães, manteiga, goiabada, mortadela, queijo, banana, melancia, maça, melão, pêra, suco de morango e omelete. Na mesa estavam outros dois turistas hospedados. Eram os canadenses Patrick e Frederick. Conversamos sobre as viagens que já fizeram e sobre o que pensam do sistema e quais lugares eles indicam para irmos. Não era a primeira nem seria a última viagem dos dois. Os dois tinham por volta de 45 anos, P. careca, com uma camisa estampada com flores e vermelha, óculos na cabeça. F. cabelos lisos negros até os ombros, bigode de Rivelino e regata verde. Pelo relato deles Cuba é um país muito rico em cultura, saúde e calor humano, mas que ficavam em dúvida se toda essa riqueza sem a cultura do consumo seria mantida após a morte dos irmãos Castro. E que confiam nas novas reformas para dar mais opções para os cidadãos terem novos empregos e assim impulsionar a economia.  Aconselharam a visitar um mercado próximo de onde estáva. Trata-se do Mercado São José  é um antigo galpão reformado ao lado do porto de Havana, onde são vendidas centenas de obras de arte, artesanato e instrumentos musicais criados pelos próprios vendedores, além de restaurantes, acesso a internet (seis dólares à hora), agencia de turismo e casa de cambio. Cada vendedor tem um espaço (Box como nos shoppings populares no Brasil) e paga 170 dólares por mês para expor seus trabalhos. Os preços variam muito desde um conjunto de colares feitos da arvore do coco por 5 dólares até quadros de 100 dólares. Os cubanos que estão ali para comercializar chamam a todo o momento a atenção dos turistas, assim como na 25 de março no centro de São Paulo. Na feira fiz amizade com dois cubanos vendedores de quadros que retratavam desde paisagens, artistas cubanos e corpos nus esculturais femininos.  Os dois me falaram muito sobre a vida em Cuba. Para Miguel, formado em Gastronomia, os cubanos tem mais direitos que a maioria dos países do mundo, também disse que sem o bloqueio norte americano Cuba seria o lugar de mais desenvolvimento do mundo, mas que um dos problemas é a falta de vontade de alguns cubanos de trabalhar e só querem vida mansa com dinheiro fácil.  Danilo, formado em Matemática, me contou que existem sim pessoas pedindo dinheiro na rua, e que são alcoólatras, idosos que tem casa (muitos sem família), já recusaram ajuda da família ou do governo para tratamento e após gastarem toda a aposentadoria em Rum recorrem aos turistas para continuarem a beber.  

Danilo a esquerda e Miguel a direita em frente as suas obras

Após o ótimo papo fui almoçar ali mesmo no mercado. Paguei 5 dólares por um prato com frango frito, arroz frito, salada e Tukola (a coca cola de Cuba). Estava chovendo e esperei parar para pegar um biketaxi até o capitólio por 2 dólares. O condutor que se chama Ignacio me contou que o bilhete de ônibus custa 40 centavos de pesos cubanos e são ônibus novos importados da China e Coréia do Norte. (Dias depois soube que não é obrigatório o pagamento da passagem de ônibus, volto ao assunto daqui uns dias)

Andei pelas ruas entorno do Capitólio que é um museu, mas estava em reforma. Em torno dali se encontra também um cinema e um teatro, um pouco mais adiante está o Hotel Inglaterra que estava acontecendo uma apresentação de música cubana dentro do hotel, mas praticamente na beira da calçada. Fiquei ali durante uns 20 minutos ouvindo um autentico grupo cubano de música e vendo a as pessoas irem e virem, muitas vezes também paravam para apreciar o som. 

Após andar pela enorme praça em frente ao Hotel Inglaterra, ficar encantado com a conservação e limpeza do lugar recorri ao cocotaxi para voltar para casa e paguei 2,50 dólares pela viagem. 

Cheguei à casa por volta de 18h40, as 21h jantei uma bela refeição com arroz branco, feijão preto, batatinhas fritas, salada de tomate, alface e repolho, e enormes coxas de frango cozidas com legumes e um molho que até hoje me dá água na boca. 

As 22h sai para a rua conhecer a noite cubana. Andamos pela Avenida do Porto que encontra com a Avenida Malecon e por ali percorri até a madrugada sem nenhum problema principalmente de segurança. As ruas e avenidas não estavam tão movimentadas, mas havia casais, jovens e adultos passando ou parados conversando. Perto de um dos bares a beira do mar na Avenida Malecon havia dois casais namorando ao som de dois violeiros que não eram contratados pelo bar, estavam ali por puro prazer de desfrutar da liberdade em Cuba. Depois de achar que tinha visto algo surreal, pude ver uma cena verdadeiramente surreal. Ao lado da Avenida Malecon (a principal do país) havia diversos barcos de pescadores parados e vi um homem de capacete com lanterna limpando um peixe que tinha acabado de pescar da calçada da avenida. Seria a mesma coisa que alguém pescar de noite(!) na Av Marginal do Rio Tiete em São Paulo, o que seria tão antigo quanto a Revolução Cubana (1959). Continuei andando e refletindo como um país praticamente isolado e com poucos recursos oferece tamanhas oportunidades para seu povo enquanto o resto do mundo enfrenta crises incontroláveis. Depois de tudo isso já eram quase 3h da madrugada e caminhei de volta a casa para dormir.

obs: críticas e comentários são sempre bem vindos, portanto fiquem a vontade para falarem o que acharam ou fazerem alguma pergunta

* O Solidários vai acompanhar.



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